FUNDAMENTOS III - Projeto ético-político profissional

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O debate acerca do Projeto Ético-Político do Serviço Social é muito recente, datando da década de 90. A construção deste projeto tem uma história que se inicia na transição da década de 70 à de 80, período no qual há uma recusa e crítica, por parte do Serviço Social, ao seu conservadorismo profissional, que, aliás, se constituíram como a primeira condição para a gestação deste projeto profissional.
Estas recusa e crítica ao conservadorismo profissional foram fortemente alimentadas pela aproximação à tradição marxista, que, então, ofereceria importantes contribuições para o Serviço Social em sua tarefa de renovação profissional, em suas dimensões acadêmicas, políticas e técnico-operativas. No entanto, como se verá mais adiante, a primeira aproximação do Serviço Social à tradição marxista, no chamado movimento de reconceituação, ocorreu de maneira marcadamente enviesada, já que as fontes que alimentaram esta aproximação não eram as originais, mas sim intérpretes nem sempre fiéis ao pensamento marxiano.
No momento, o que importa destacar é que a reflexão sobre os projetos profissionais demanda, de início, atentar para os chamados “projetos societários”, sobre os quais Netto (1999) acrescenta importantes contribuições. Para o autor, “trata-se daqueles projetos que apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, que reclamam determinados valores para justificá-la e que privilegiam certos meios (materiais e culturais) para concretizá-la” (p. 93). São, portanto, projetos coletivos, cujo traço peculiar é constituírem-se como projetos macroscópicos voltados para o conjunto da sociedade, caracterizando-se como, “projetos de classe”, que refratam determinações de gênero, étnicas, culturais etc.
Já os projetos profissionais seriam aqueles que dizem respeito às profissões reguladas juridicamente e que supõem uma formação teórica e/ou técnico-interventiva. Tais projetos “apresentam a auto-imagem de uma profissão”, elegendo os valores que a legitimam socialmente, delimitando seus objetivos e funções, formulando os requisitos para o seu exercício e estabelecendo normas e balizas para a atuação profissional (Netto, op. cit., p. 95).
O sujeito coletivo, ou seja, a categoria profissional (entendida como o conjunto dos intervenientes que dão efetividade à profissão), que constrói, por meio da sua organização, este projeto profissional, se apresenta em dimensões que envolvem: profissionais diretamente vinculados ao exercício profissional, docentes e pesquisadores ligados à área da formação e pesquisa e estudantes. Neste sentido, vem-se constatando que a nossa categoria profissional, apresenta uma forte capacidade de organização, não sendo raro notar, em seus fóruns e eventos internos, a participação destes “segmentos” do Serviço Social, que, com suas respectivas organizações (conjunto CFESS/CRESS’s; ABEPSS e ENESSO) imprimem às discussões, debates e formulações da categoria profissional um caráter plenamente democrático, participativo e, exatamente por isso, amplamente representativo desta categoria.
No entanto, não se afirma neste trabalho que este sujeito coletivo se apresente, do ponto de vista teórico, político e ideológico, de forma homogênea. Ao contrário, tal sujeito se constitui como uma “unidade “não-identitária”, já que se plasma em um universo heterogêneo cujos membros são, necessariamente, indivíduos diferentes, com origens, expectativas, comportamentos e condições intelectuais amplamente distintas e diversas, o que leva à possibilidade (e, em vários momentos, à efetividade) de surgimento de projetos profissionais variados, vinculados a igualmente variados projetos societários. A categoria profissional, portanto, é um espaço plural (e é bom que o seja!), de onde proliferam constantemente projetos profissionais distintos, que, no bojo do debate democrático, se confrontam e se afirmam em maior ou menor grau. E é exatamente por isso que a construção do projeto profissional do Serviço Social (o chamado Projeto Ético-Político) deve ocorrer em consonância com o respeito a um dos princípios mais caros a este mesmo projeto, e que, inclusive, figura com destaque em nosso Código de Ética Profissional: o pluralismo. O que não significa, em hipótese alguma, a ausência da luta de idéias, do confronto de concepções teóricas e políticas, enfim do debate entre os diversos projetos existentes. Significa, sim, que o verdadeiro debate democrático só alcança sua plena realização quando realizado com respeito às hegemonias legitimamente conquistadas, respeito esse que, enquanto princípio democrático, garantiria a própria existência do pluralismo.
O Projeto Ético-Político do Serviço Social apresenta uma estrutura básica que tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade (concebida historicamente como possibilidade de escolher entre alternativas concretas) como valor central, o que leva tal projeto a assumir um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Fica nítida a vinculação do projeto ético-político do Serviço Social a um determinado projeto societário atento à incidência e centralidade das determinações de classe (mediadas pelo gênero, etnia etc.), e que se propõe a construção de uma nova ordem social, a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos. Tais propostas imprimem a este projeto uma clara dimensão política, concretizada: no posicionamento em favor da eqüidade e da justiça social; na perspectiva da universalização do acesso aos bens e serviços relativos aos projetos, programas e políticas sociais; na ampliação e na consolidação da cidadania; e na defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida. Compõe ainda este projeto o compromisso com a competência profissional, que deve ter como base o aprimoramento intelectual, o que demanda uma formação acadêmica qualificada, que tenha por base concepções teórico-metodológicas sólidas e críticas que viabilizem uma análise concreta da realidade social.